O Encontro
Era fevereiro de 1993, o tempo estava muito quente e dali alguns dias seria Carnaval. Sara costumava viajar para o litoral paulista sempre que surgiam feriados prolongados, ela gostava da pitoresca cidade Boiçucanga ou de São Vicente. Mas, os amigos queriam ir para Mongaguá. Ela definitivamente não gostava de lá, achava que era uma praia sem graça embora fosse um lugar escolhido por muitos. Daquela vez, Sara fez a vontade dos amigos e foi para lá mesmo contrariada.
A cidade estava cheia de visitantes, todos os lugares lotados, havia fila pra tudo. Durante o dia, as pessoas disputavam um lugar na areia para colocarem o guarda-sol, a barraca, as cadeiras... durante a noite, iam procurar diversão nos barzinhos, nos quiosques onde a música rolava a noite inteira até o amanhecer, iam na danceteria da cidade ou na avenida para assistirem a escola de samba local passar. Depois que a escola passava, todos pulavam com os bloquinhos na rua. Menos Sara, ela sentou-se no banco da praça central, próximo à feirinha e lá ficou observando o movimento, entediada.
Uma multidão caminhava de um lado a outro e Sara só pensava consigo mesma: "o que estou fazendo aqui?" quando, de repente, passou por ela um homem lindo, desses que habitavam seus sonhos mais secretos. Trocaram um olhar e um sorriso até que ele se aproximou... Foi rápido assim!
Sara era uma morena de olhos castanhos e cabelos longos, estava bronzeada e usava um vestido florido. Tinha 19 anos. Márcio era loiro, de olhos cor de mel, um físico forte e tinha os cabelos na altura dos ombros, lisos do tipo escorrido, ele mais parecia um surfista. Tinha 21. Ele se apresentou e os dois se entenderam logo de cara. Havia uma química entre eles. O papo era agradável e a noite estava linda. Falaram sobre músicas, viagens, gostos, culinária e uma infinidade de assuntos. Sentiram-se atraídos um pelo outro momentaneamente. Riram, dançaram, flertaram e foram dar umas voltas à beira-mar. Foi ao som das ondas quebrando nas rochas, sob um céu estrelado e uma lua exuberante que eles se beijaram pela primeira vez.
Sara desejava que aquela noite jamais terminasse... e pensar que ela nem queria estar ali... Os dias que se seguiram foram tão especiais quanto aquela noite. Se pudessem, nunca mais iriam embora. Viveriam lá pra sempre. Mongaguá se tornara um paraíso tropical aos olhos de Sara. Márcio sempre gostou da cidade. Aqueles quatro dias de Carnaval foram os melhores dias da vida dos dois. A felicidade de ambos atraía a atenção de todos, que belo par formavam!
Parecia magia, mas era uma forte atração! Apenas quatro dias que pareciam uma vida inteira... Acontece que toda viagem termina e aqueles dias maravilhosos chegavam ao fim, era preciso voltar pra casa!
Um dia antes da partida
Após Sara e Márcio terem se conhecido e não se desgrudarem nem por um momento durante aquele feriado inesquecível, era chegada a hora de retornar ao trabalho, aos estudos, enfim à vida cotidiana.
Na terça à noite se despediram já que no dia seguinte deixariam a cidade, ela iria pra São Paulo e ele para Santo André, no ABC Paulista. Por que será que sentiam uma angústia no peito? Não era pra ser assim, pois combinaram de se encontrar, estavam até namorando, esse era o plano! Nunca nenhum dos dois iniciou um namoro assim tão rápido! No entanto, algo mágico aconteceu entre eles, parecia que se conheciam havia muitos anos. E nenhum dos dois conseguia explicar pra si e nem falar para o outro sobre aquela sensação ruim que sentiam.
Fizeram amor na praia de madrugada, dentro de um barco ancorado na noite da despedida. E foi arrebatador!
A partida
A quarta-feira chegou e os dois retornaram para suas casas, ele foi logo de manhã e ela no final da tarde... voltaram finalmente para suas vidas.
Os dias se passaram e nenhum contato foi feito da parte de Márcio, uma semana, duas, três, um mês e nada! Sara não compreendia a razão de seu amor não lhe telefonar. Ao desabafar com uma amiga, esta lhe disse - então telefone você!
Foi nesse momento que ela sentiu uma dor invadir seu peito, o desespero tomou conta do seu ser. Explicou para a amiga que somente Márcio havia anotado o seu telefone residencial, naquele tempo não possuíam um celular, ela ficou de anotar também o número da casa dele, depois, com tantos assuntos e programas pra fazerem acabou esquecendo. E partiu sem fazer isso, uma falha, um absurdo... Estava na dependência dele, mas teria ele perdido o número? Ou simplesmente jogado fora? Afinal, como dizem por aí "amor de praia não sobe a serra".
Sara pensava em cada minuto vivido ao lado de Márcio, tentava extrair da memória algo relevante que pudesse ajudá-la a reencontrá-lo. Eles conversaram sobre os mais variados assuntos. Falaram sobre passado, presente e futuro, sobre qualidades e defeitos, pontos fortes e fraquezas, muitas eram as coisas em comum. Fizeram tantos planos e ainda assim, tudo o que sabiam era o primeiro nome e a cidade do outro, não havia informações necessárias para se localizarem.
Como puderam ser tão displicentes? Não falaram onde trabalhavam, apenas o que faziam, não disseram um para o outro onde estudavam, somente a profissão que desejavam exercer, sequer comentaram entre si quais lugares frequentavam nas suas respectivas cidades. Santo André não é longe, mas dependendo do bairro em que se esteja fica fora de mão. Em contrapartida, procurar alguém em São Paulo é como procurar uma agulha no palheiro ou, pior ainda, como procurar uma correntinha perdida caída no oceano.
Sara pensou em inúmeras ações: fazer cartazes, faixas e outdoors espalhando-os por Santo André inteira pra tentar localizá-lo. Pensou, pensou e só pensou. Ao longo dos anos, a cada feriado, ela ia para Mongaguá sempre na esperança de revê-lo. Em vão andou por todos os lugares por onde passaram naqueles inesquecíveis dias de Carnaval...
E o tempo avançava implacavelmente!
As preocupações e a rotina do dia-a-dia foram tomando espaço, o passar dos anos foram deixando aqueles momentos cada vez mais distantes. Esquecer, ela não esqueceu, só que o tempo fez parecer como cenas de um filme, como se ela não tivesse vivido e sim assistido a um lindo romance.
Algumas noites, a moça sonhava com Márcio e acordava triste, perguntava a si mesma se pelo menos por um breve instante ele se lembraria dela. Quanto tempo ele teria levado pra esquecê-la? Por que nunca telefonou?
E a vida seguia seu curso...
Sara casou-se em 2004, aos 30, 11 anos após o inesquecível Carnaval de 1993. Gostava muito de seu marido, Rui, um homem inteligente, bonito e apaixonado por ela. Tiveram um filho. Eram felizes sem dúvida, eram muito felizes! Teria Márcio se casado também? Eram raros os momentos em que ela pensava nele agora, mas ainda acontecia.
O casamento de Sara durou 6 anos muito bem vividos, ela lamentou o fim dessa união que parecia ser promissora, pra vida inteira. Ficou realmente abalada.
O inesperado
Com o fim da relação, Sara decidiu fazer uma viagem pra esparecer e escolheu Veneza, a Sereníssima no norte da Itália. Um lugar romântico, ideal para estar acompanhada, entretanto, não havia problema, ela sempre quis conhecer essa cidade e estar só não a impediria de aproveitar cada instante.
A Itália parece ter magia, contagia os turistas e Sara ficou fascinada por seu encanto. Sentia-se um pouco culpada por deixar o filho com sua mãe, mas precisava desse tempo para repor as energias.
No 3º dia, estava num caffè e, distraída, admirava o local e as pessoas entusiasmadas. Observava os casais apaixonados e pensou em sua falta de sorte no amor. Nesse momento, ela sentiu uma mão tocar seu ombro e uma voz a dizer:
- Come stai, bella mia?
No que olhou, sentiu seu coração parar por alguns segundos, depois ele recomeçou a bater cada vez mais forte, a acelerar descompassadamente, a disparar... até que ela faleceu... (ahahaha brincadeira, não resisti). Sara nada conseguiu dizer, apenas sorriu, era Márcio!
Após um momento de pura emoção, ela respondeu:
- Non potrei stare meglio!
Desataram a rir enquanto os olhos marejados pelas lágrimas contraditórios ao riso brilhavam. Finalmente tinham se reencontrado! Eles se abraçaram de modo apertado e prolongado, foi inusitado, inimaginável e emocionante. Deram um beijo cheio de saudades e perceberam que nada havia mudado. Os dois se reconheceram assim que se olharam. Eram as mesmas sensações, a mesma leveza, corações em desalinho. Conversaram sobre exatamente tudo, tudo o que viveram desde aquele Carnaval até os dias atuais.
Márcio contou que ao chegar em casa, procurou o pedaço de papel com o número do telefone de Sara, mas havia perdido. Falou da tristeza dessa separação e de toda sua vida desde então.
Ele se casou duas vezes, o primeiro casamento resultou num divórcio, o segundo num luto há pouco menos de um ano. Teve dois filhos com a primeira esposa e uma filha com a segunda. Não pôde negar que foi feliz.
Finalmente, ambos estavam livres para recomeçarem de onde pararam tantos anos atrás. Desta vez, não cometeriam os mesmos erros. Trocaram todas as informações possíveis e imagináveis. Em 93, sequer possuíam um endereço de e-mail...
A conversa foi longa e animada, nem perceberam as horas passando.
Sara e Márcio viveram dias apaixonados em Veneza, passearam pela Basílica de San Marco, andaram de gôndola pelos canais e foram em todos os pontos turísticos.
Ela está linda - pensava ele, uma beleza de mulher e não de menina. Já ele, tinha cortado os cabelos, estava mais sério, maduro, um pouco grisalho, porém, mais atraente seria impossível - refletia Sara.
Muitas vezes, não sabemos por qual razão é necessário mudar as direções. Nós, simples mortais, não compreendemos, mas existe uma razão maior que nos faz seguir outros rumos e nos vemos tendo que abrir mão de desejos e planos. Porém, o que é de cada um... é e ninguém poderá mudar isso.
E foi assim, o mesmo destino que os separou, os uniu novamente quase 18 anos depois, desta vez para sempre.
Sandra